Em tempos da apresentação de evidências como axiomas e de intervenções clínicas como métodos infalíveis, gostaria de contar duas pequenas histórias:

1. Certa vez atendi uma paciente que tinha um inflexível repertório de autoexigência e desempenho. Seus fracassos haviam se tornado um grande abismo em sua experiência e muitas vezes uma barreira para que ela buscasse uma vida com sentido. A terapia foi longa e difícil, para ambos, mas muito produtiva. Já perto do fim do processo, conversando sobre o caminho percorrido, ela me revela: “Mateus, o que mais me ajudou aqui foi perceber seu jeito desastrado” (eu derramo copo, sujo roupa almoçando, escorrego e quebro coisas sem querer o tempo todo). Ela prosseguiu: “isso me deixou à vontade para falar dos meus fracassos. Fiquei admirado! 

2. O já saudoso Contardo Calligaris em seu livro Cartas a um Jovem Terapeuta, narra seu primeiro atendimento clínico. Ele estava ansioso e inseguro, bagunçou um pouco os objetos do consultório para que parecesse que outros pacientes ali estiveram. Apagou alguns cigarros no cinzeiro e imagino que assumiu sua melhor poker face para esperar o analisando. Anos depois, ao encontrar o antigo (e primeiro) paciente num evento, este revela que pediu deliberadamente a indicação de um analista que nunca havia atendido, pois buscava alguém que o escutasse com interesse e desafio. 

O que podemos pensar diante dessas histórias? Na minha modesta opinião, penso que humildade é uma virtude epistêmica necessária. Afinal, o controle do fenômeno clínico é um ideal inalcançável.