Dor e Valor

Nesta última semana, atendendo uma paciente, lembrei de uma entrevista dada pelo Steven Hayes em 2006 à revista Veja. Lá ele disse:

(….) queremos que nossa vida seja lembrada pelos valores que seguimos. As artimanhas que usamos para não sentir dor nos desviam de nossos objetivos. E é por eles que vale a pena viver. Nosso trabalho é ir na direção oposta à de nossos medos. Tentamos conseguir, com muito cuidado, fazer o paciente explorar a tristeza, a depressão e a ansiedade que ele sente, para percebê-las e observá-las.

A clínica é este lugar onde estas experiências exploratórias em torno do sofrimento humano ganham palavras e sentido. Eu estive por alguns meses trabalhando com uma paciente que buscou terapia após diversos momentos de muita ansiedade. Ela sempre teve uma vida profissional muito ativa e sua rotina de plantões tornou-se especialmente dura após o nascimento de sua filha. Sua maneira habitual de encarar os desafios era forte e otimista, mas as demandas chegaram em um ponto onde é o corpo que resiste e as crises de ansiedade se intensificaram muito, especialmente em vésperas de plantões.

Depois de algum tempo entendendo como ela se estruturou numa história de força e resiliência, definimos alguns objetivos que envolviam demonstrar e validar seus limites e vulnerabilidades para que algumas decisões fossem tomadas. Reduzir os plantões noturnos era uma delas.

Na semana passada, um tanto embaraçada, ela me diz:

P: Mateus, não vou conseguir sair de todos os plantões. Preciso manter alguns.

T: O que a fez mudar de ideia?

P: Eu relembrei porque devo estar ali. Em um plantão recente, me percebi profundamente conectada com o pai de uma criança que faleceu. Era um pai extremamente zeloso, que acompanhou o doloroso percurso da filha. Antes dela falecer, eu pude oportunizar uma despedida. Aquele pai precisava se despedir dela e eu sabia disso.

A esta altura estávamos ambos, terapeuta e paciente, lacrimejando. Não faria nenhum sentido persistir na ideia de cancelar todos os plantões. Neste momento, não estávamos tratando a ansiedade e sim explorando e valorizando o que eventualmente a ansiedade escondia: significado, beleza, conexão. Por isso valeria a pena suportar uma boa dose de sofrimento. Sem isso, talvez, não valeria a pena viver.