Há algum tempo venho propondo para terapeutas de casal o conceito de valores relacionais. Ainda não me dediquei a fundo para avaliar se de fato é um termo que pode contar com alguma precisão conceitual, ou apenas uma boa maneira de organizar os objetivos clínicos numa terapia de casal, mas é notável na prática clínica como às vezes emergem qualidades estáveis e abrangentes do comportar-se coordenado da díade (casal).
Marcos e Ana procuraram terapia pouco tempo depois de terem decidido dividir a mesma casa. Juntos, formavam uma grande família – ambos tinham filhos. A relação dos dois vivenciava grandes desafios. Desenvolver intimidade e conexão coordenando 4 filhos de relacionamentos e nacionalidades distintas jamais será simples.
Ao longo das sessões, em meio às diversas conversas sobre as brigas, desafios, experiências dolorosas, sonhos e planos, uma coisa se mantinha estável: Eles nunca perdiam a conexão física. Em sessões leves, se abraçavam e acariciavam o tempo todo. Em sessões mais difíceis e conflitivas, mãos dadas ou um pousar de mão nos ombros ou joelhos do outro. O insuportável da relação parecia ser o risco de que esta conexão fosse perdida.
Recentemente disse ao casal com este exemplo o que entendia por valores relacionais na clínica de casal. Eis que escuto o arremate:
– Você não sabe de nada! Nós só conseguimos dormir com o corpo em contato. Recentemente fomos dormir brigados. Isso seria suportável, mas brigados e insones ninguém merece. Então eu disse para o Marcos: coloque o seu pé para cá que eu quero dormir. Ele prontamente colocou o pé mais próximo, eu encostei o meu e dormimos. Desde então há um acordo tácito. Mesmo quando brigamos, os pés devem estar lá.
Eu sorri enternecido.
Acho que, afinal, valores relacionais é só mais uma das maneiras imprecisas de nomear o amor.